Ribeirinhos fazem das águas as ruas que permitem escoar a produção e renovar as esperanças de dias melhores
A cada curva do rio uma história de vida, um ritmo próprio que faz dos ribeirinhos pessoas com uma ligação peculiar com a natureza. As águas do rio Tarauacá são as ruas que garantem a sobrevivência do povo, seja para pegar o alimento, o peixe, ou para transportar sua produção agrícola. A margem do rio em frente à cidade que carrega o mesmo nome, eles aportam para mais uma venda, e também deixarem todo o dinheiro que ganham, trocado pelo rancho (alimentos industrializados) que levam para suas casas.
Alguns ribeirinhos vão uma vez por ano à cidade, outros fazem o percurso a cada dois meses, há até quem o faça mensalmente. O trajeto para alguns é de horas, um dia, para outros, cinco a seis dias. Com tanto tempo de viagem a estadia também demora de uma semana há quinze dias. Durante esse tempo eles moram ali, nos barcos, dormindo sobe o balanço das águas.
Homens, mulheres e crianças povoam o rio Tarauacá, dando a ele a vida do caboclo da Amazônia, depositando seus sonhos, sua luta e sua esperança. Em um dos barcos, Manoel Messias, 48, pai de oito filhos, enfrenta três dias de viagem junto à família para chegar à cidade. Morando no rio Muru ele aproveita a viagem para vender porco, galinha, milho, arroz.
O dinheiro que consegue, fica no bolso por pouco tempo, e já investe no rancho que leva para casa e dura três meses, quando retorna a Tarauacá para vender e comprar. Na caixa com mantimentos, poucos biscoitos são regalias para as crianças, mas o essencial é o sal, o café, o açúcar e outros.
Realizar a viagem até a cidade demanda grandes custos, e se juntar aos outros ribeirinhos é a melhor forma de tornar a tarefa mais fácil. Junto a Manoel, José Estevão, 61, também viaja com a família para vender o que tirou do roçado. Só de sua família dez pessoas o acompanham, alguns estão pela primeira vez na cidade. Com uma viagem longa e difícil é bom passar uns quinze dias em terra, mas para isso, eles contam com a sorte. “O barco é pequeno, mas sempre que a gente vem para a cidade encontramos barco grande parado, e aí dormimos nele”, comenta.
É na incerteza e a esperança que os ribeirinhos fazem suas travessias em busca do resultado do trabalho. E ainda têm de ser esperto para não baratearem tanto seus produtos. “Nós estamos aqui para vender, eles sabem que não podemos voltar de mãos abanando, por isso pechincham o que podem”, comenta Manoel.
Outro Manoel – este de Souza -, 30, quatro filhos, viaja junto aos pequenos e à esposa Jucinéia Parente, 24, um dia inteiro para chegar a Tarauacá. Conta que mandioca, arroz, farinha são os produtos que mais vende. Cada quilo do arroz, por exemplo, custa R$ 1,5. Nessa viagem foram 12 sacas que colheu junto ao cunhado, cada uma com cerca de 20 quilos. Antes de vender eles precisam pagar para tirar a casca do arroz, tendo que se desfazer de umas duas sacas como pagamento.
Na praia, além dos ribeirinhos, os trabalhadores que calafetam (acabamento) o barco, deixam de fazer com o algodão que tem alto custo, e improvisam com estopa.
O combustível dos rios – A persistência é a principal ferramenta que faz desse povo, ribeirinhos da Amazônia. Eles acreditam que mesmo com tantas dificuldades, a floresta ainda é melhor que a grande cidade, porque quando a visitam encontram coisas boas, mas também a miséria, e na mata sabem como ter o que comer todos os dias.
Em cinco postos de combustível espalhados no rio Tarauacá, cerca de 30 a 50 barcos passam por cada um, diariamente. Edílson Guedes, 56, trabalha em um dos postos há 13 anos e fala da importância de sua profissão. “A maioria dos ribeirinhos depende do barco dos outros para vir até a cidade, e fazem isso em parceria, dividindo despesa. Eles passam aqui diariamente e sei que dependem disso para viver. O rio é a rua deles”, comenta o frentista dos rios que aproveita a hora de folga para jogar tarrafa (rede de pesca) no rio, o que consegue pescar divide com os amigos e leva para a família.
É nesse contraste em que alguns praticam a pesca como passatempo, e outros, como fonte de sobrevivência, que no rio Tarauacá é fácil encontrar histórias de gente que sabe valorizar o que é oferecido pela natureza.
Fonte = Andréa Zílio para Página 20