Dejetos oriundos da zona urbana de Manaus desembocam na Reserva Ducke e comprometem a qualidade das águas dos igarapés
Os recursos hídricos da Reserva Florestal Adolpho Ducke, a maior da zona urbana de Manaus, já estão sendo afetados pela ação humana. Estudo de pesquisadores da Coordenação de Pesquisas em Clima e Recursos Hídricos (CPCR) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) indicou, a partir de coletas de campo e análise do pH (índice que mede acidez, neutralidade e alcalinidade de água), que os mananciais estão degradados, semidegrados ou em fase de degradação devido à ocupação desordenada do solo dessas bacias.
Entre os igarapés analisados considerados degradados estão o Sabiá II, Sabiá III e o Aliança com Deus. O igarapé Bolívia permanece preservado. Conforme o relato dos pesquisadores, que está disponível na internet, tal situação é preocupante “visto que essa situação é verificada nas bordas de uma reserva florestal, a qual abriga no seu interior uma floresta natural, vasta diversidade biológica de flora e fauna e que se encontra fortemente ameaçada em todo o seu entorno por assentamentos, invasões, etc”.
Sávio Filgueiras Ferreira, um dos autores do estudo, confirmou ao jornal A CRÍTICA que a área urbana próxima esta causando danos na Reserva Ducke e comprometendo a qualidade da água.
Outro autor do estudo, que pediu para não ter seu nome publicado nesta matéria, explicou que alguns igarapés saem já poluídos na zona urbana, atravessam a via pública e adentram na reserva, comprometendo outros cursos d´água. “São mais ou menos dois ou três igarapés que vão se encontrar lá dentro com outros igarapés. A água que está limpinha se junta com a suja e fica comprometida”, disse.
Reserva Ducke
O avanço da degradação dos igarapés da Reserva Ducke, contudo, poderia ser evitado, pelo menos em parte, caso obras de intervenção propostas em 2009 por um estudo elaborado por uma empresa privada, financiado pela Companhia do Desenvolvimento do Estado do Amazonas (Ciama), a pedido da Secretaria Estadual de Planejamento (Seplan), fossem executadas.
O projeto, que custou aos cofres públicos do Estado R$ 80 mil, ficou engavetado desde então e somente nesta semana, após pedido da reportagem de A CRÍTICA, ele voltou a ser divulgado a público. A existência do projeto foi mencionada pelo diretor do Museu da Amazônia (Musa), Ennio Candotti, durante entrevista na qual ele denunciou o avanço da poluição nos igarapés da Reserva.
Segundo Candotti, após a comprovação de que os igarapés da Reserva Ducke estão poluídos não apenas pela pressão urbana das proximidades, mas pela ausência de uma Estação de Tratamento de Esgotos, o passo seguinte seria a busca por financiamentos públicos federais para investir na obra. Esta etapa teve resposta favorável da então superintendente da Caixa Econômica Federal, Noêmia Jacob.
“Havia recursos à disposição por parte da Caixa, que nos ofereceu um aporte de R$ 10 milhões sob financiamento a fundo perdido, por meio do Ministério das Cidades. Mas quem deveria ter formalizado esse pedido seria a Seplan. Mas desconfio que isto nunca tenha sido feito”, disse Candotti. Conforme o diretor do Musa, as discussões ocorreram durante nas gestão dos então secretários da Seplan Denis Minev e Marcelo Lima.
O diretor do Musa lamenta que o arquivamento do projeto venha contribuindo para que se perpetue a poluição e a contaminação da Reserva Ducke. Ele considera a situação “escandalosa” e um “exemplo de descuido com os verdadeiros problemas ambientais”.
“A Reserva Ducke é uma das pérolas da cidade. Mas é agredida e transformada em cloaca. Pena que seja tão difícil resolver quando se tem o recurso para fazer”, afirmou.
Segundo Candotti, ao não se executar intervenções no local, a Reserva Ducke deixa de receber obras de extensão para facilitar sua visitação. “Só se eu fizer uma visita terrorista, para mostrar os horrores da poluição”, ressaltou.
Falta de prioridade
Ao ser procurada pela reportagem, a secretária executiva adjunta de planejamento da Seplan, Andressa de Oliveira, que responde interinamente pela pasta, destinou cópia em DVD do estudo ao jornal. Questionada sobre o destino do projeto, ela enviou a seguinte resposta: “Quanto ao encaminhamento da Seplan, manteremos este projeto em pauta, auxiliando na busca de recursos junto as entidades federais que possam conveniar para a realização das intervenções necessárias, como a CEF, Ministério das Cidades, etc”.
A reportagem também falou com os dois titulares da Seplan com quem o Musa vinha mantendo diálogos, ainda na gestão do ex-governador Eduardo Braga, Denis Minev e Marcelo Lima.
“O Musa prospectava financiamento e tão logo houvesse sinal verde na análise do anteprojeto, imagino que a prefeitura tivesse que ser provocada a fazer a formalização”, afirmou Lima.
Ele informou que, no último ano de seu governo, Eduardo Braga autorizou um orçamento para o projeto do Musa. E uma das “frentes” era o tratamento que iria ser dado ao igarapé. Para Lima, o projeto “se perdeu na transição do governo”. “O que era prioridade para o Eduardo deixou de ser para o Omar”, disse Lima, afirmando que o projeto não chegou a ser encaminhado para a Secretaria Estadual de Infra-Estrutura (Seinfra).
Lima afirmou que a Seplan não foi formalizou o estudo visando a execução do projeto pois, segundo ele, o órgão não tem legitimidade para requerer este recuro, em virtude da área estar sob gestão do Inpa e da Prefeitura de Manaus.
Denis Minev disse que a execução deveria estaria sob responsabilidade da Secretaria Estadual de Infra-Estrutura (Seinfra). “A Seplan, como órgão de planejamento, deve apenas coordenar. O processo não é tão simples. A caixa sinalizou informalmente não aporte e sim empréstimo dentro do programa Prosamim. Este não seria empréstimo adicional”, afirmou Minev, que sugeriu à reportagem entrar em contato com Ronney Peixoto, atual secretário executivo da Seplan, que acompanhou a discussão na época. Peixoto não foi encontrado pois, segundo a assessoria de imprensa da Seplan, ele está de licença médica.
A ex-superintendente da Caixa no Amazonas, Noêmia Jacob, foi procurada para falar sobre o assunto, mas não foi encontrada.
Em nota, a assessoria de imprensa da Caixa disse que não existe em trâmite no órgão processo com tal finalidade (financiamento do projeto).
Área sem esgoto
A Manaus Ambiental (ex-Águas do Amazonas) informou que, de fato, não há serviço de esgotamento sanitário na região da Reserva, mas a empresa tem como meta até 2030 atingir o índice de mais de 70% de coleta e tratamento de esgoto.
A Secretaria Municipal de Planejamento (Seminf) afirmou que rede de drenagem daquela área foi construída para receber somente águas pluviais e não lixo ou chorume. “O problema talvez seja por causa das ocupações irregulares naquela área”, diz em nota a assessoria de imprensa. A Seminf diz que não há projeto de intervenção prevista para esse local, além de manutenção de vias, e que a Prefeitura não trabalha com rede de esgoto sanitário.
Uma das gestoras da Reserva Adolpho Ducke, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmas) destacou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o local pertence à União, mas que recentemente teve toda sua área decretada como APA municipal (Área de Proteção Ambiental) pela prefeitura, o que amplia a sua proteção.
Conforme a assessoria, se há necessidade de construção de uma estação de tratamento de efluentes é preciso ver de quem é a responsabilidade, visto que toda aquela área nasceu de invasão, se consolidou como bairro na gestão passada e hoje precisaria de um investimento da empresa de saneamento.
“Seria importante que houvesse uma parceria entre os interessados (Inpa, que é dono da reserva, Prefeitura e Manaus Ambiental) para a execução dessa Estação de Tratamento de Esgoto”, diz a nota.