Pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que atuam no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA) participam de um projeto que reunirá dados sobre a toninha (Pontoporia blainvillei), o golfinho mais ameaçado da costa atlântica da América do Sul. A espécie, pouco pesquisada, é presa de tubarões e baleias orcas, mas seus maiores predadores são as redes de pesca de barcos que exploram o litoral sul e sudeste brasileiro. Por isso, além do levantamento de informações, serão sugeridas medidas para garantir a preservação das toninhas.
Batizado de Projeto Toninha, a ação é financiada pela Carteira de Fauna do Funbio (Fundo Nacional para a Biodiversidade), com recursos de compensação ambiental repassados por empresas que fazem prospecção de petróleo no mar, e tem o apoio da Fundação Yaqu Pacha (ONG alemã) e da Marine Mammal Comission (USA).
De acordo com a bióloga Fábia Luna, chefe do CMA, apesar dos muitos registros de mortandade da espécie por malhas pesqueiras das embarcações, o impacto dessa atividade jamais foi avaliado. Por isso, o Projeto Toninha, que foi elaborado pelo CMA, irá estimar a abundância e determinar a área de distribuição desse golfinho entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo.
“Estamos muito animados com o estudo. O projeto é de nossa autoria, mas conta também com a participação de pesquisadores do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul, universidades federais de Juiz de Fora (UFJF) e do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Laboratório de Mamíferos Aquáticos (Maqua) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro”, lembra Fábia.
LEVANTAMENTO – Entre os meses de dezembro de 2008 e janeiro deste ano, pesquisadores do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul e da UFRGS passaram 21 dias em campo para registrar os locais de ocorrência da espécie na região demarcada pelo projeto. Essa foi a primeira ação efetiva do estudo.
“Foi feita uma observação, a bordo de um pequeno avião, para se ter uma ideia dos locais de concentração das toninhas. Foram 59 horas de voo, 45 delas sobre o mar, entre Torres, no Rio Grande do Sul, e Cabo Frio, no Rio de Janeiro. Por ser um espécie pequena, que não mede mais que 1,5 metro, sua visualização é possivel somente quando o mar está muito calmo e o vento, quase inexistente”, informa Fábia Luna, ao explicar que, por isso, podem ser necessárias outras observações.
No levantamento, foi usada uma aeronave Aerocommander cujas janelas dianteiras permitem uma visão diretamente abaixo do avião para quatro observadores. “Um pesquisador em terra mantinha contato sistemático com os que estavam a bordo para fins de segurança. No processo de busca dos golfinhos, foram percorridas linhas perpendiculares ao litoral, totalizando cerca de sete mil quilômetros de mapeamento sobre o mar”, conta a bióloga. “Foram avistadas 157 toninhas, divididas em 60 grupos. A maioria delas estavam bem próxima à costa. Foram registrados grupos com até oito individuos, inclusive filhotes”, acrescenta.
A chefe do CMA revela ainda que os pesquisadores puderam confirmar a ausência da espécie entre as regiões de Ubatuba (SP) e Cabo Frio (RJ). “O curioso é que a presença desse mamífero foi verificada, inclusive, em áreas muito mais impactadas por atividades humanas, como no litoral de Santos e na desembocadura da Baia de Paranaguá”, relata Fábia Luna. “Infelizmente, uma estimativa aproximada baseada na compilação de alguns estudos realizados por diferentes grupos de pesquisa indica que pelo menos 280 toninhas morram por ano nas redes de pesca”, lamenta.
BANCO DE DADOS – Os grupos de toninha registrados nesse trabalho irão compor uma base de dados sobre a espécie. “Na próxima etapa serão feitas análises das informações colhidas para obter uma estimativa de tamanho populacional e verificar a existência de algum padrão de distribuição espacial não-aleatório. Em seguida, verificaremos se o tamanho estimado é capaz de sustentar os níveis de mortalidade em redes de pesca”, adianta a pesquisadora.
De hábitos costeiros, a toninha se alimenta de peixes pequenos, como manjubas, sardinhas, lulas e camarões. Assim, acaba circulando onde se concentram as redes dos pescadores. As únicas populações mundiais desse cetáceo vivem nas águas litorâneas entre o Espírito Santo e o sul da Argentina. No Brasil, não existem áreas de concentração permanentes conhecidas, com exceção da Baia da Babitonga, no norte de Santa Catarina.
Uma das soluções para evitar que a espécie entre em colapso e faça parte da lista de animais ameaçados seria evitar a pesca de peixes em determinadas épocas do ano ou mudar os métodos de captura dos peixes nas áreas de ocorrência da toninha. “A rede de espera poderia ser substituída por ferramentas menos agressivas, que não coloquem em risco o animal e seu habitat. As malhas são fixadas no fundo do mar ou ficam presas entre barcos e bóias. Estendem-se por quilômetros na rota dos cardumes e dos golfinhos que perseguem os peixes. Elas acabam capturando as toninhas”, lamenta Fábia Luna.
Ascom ICMBio
Márcia Neri