SALVADOR [ ABN NEWS ] – Duas descobertas feitas por pesquisadores do Projeto Tamar, do Instituto Chico Mendes, movimentam os meios científicos ligados à biodiversidade marinha. Primeiro, foi uma espécie de peixe, que ganhou o nome de “cabeça de geleia”, e, depois, um bicho semelhante a uma moreia que mede mais de um metro. Conservados em formol, eles foram enviados para estudos a fim de que sejam confirmados como novas espécies. Os animais habitam águas profundas e foram capturados no litoral baiano por meio de anzóis circulares.
O oceanógrafo Guy Marcovaldi, chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Tartarugas Marinhas, centro especializado do Instituto Chico Mendes que mantém o Projeto Tamar, disse que, de acordo com as primeiras avaliações, o “cabeça de geléia” faz parte de uma superordem exclusiva da família Ateleopodidae, que tem quatro gêneros (Ateleopus, Parateleopus, Guntherus e Ijimaia) e 12 espécies conhecidas no Caribe, Atlântico e Pacifico. O exemplar descoberto na Praia do Forte, onde foram feitas as pesquisas, pode ser a 13ª espécie.
O peixe ganhou esse nome porque apresenta excesso de gordura na parte frontal. Sua cabeça, grande e mole, parece mais um monte de geleia. Ele tem ainda esqueleto largamente cartilaginoso e focinho bulboso. O exemplar, capturado a uma profundidade entre 200 e mil metros, mediu quase dois metros de comprimento.
A descoberta ocorreu no início de setembro. No mesmo mês, especialistas da Universidade Federal da Bahia (UFBA) ratificaram a importância do fato. “O animal já foi confirmado como uma possível espécie nova, apesar de ainda não termos recebido a certidão de nascimento”, afirma Guy. A certidão é, na prática, a publicação da pesquisa em alguma revista científica de prestígio internacional, dando conta do achado. Os pesquisadores já providenciaram a divulgação.
Menos de um mês depois, em 1º de outubro, Marcovaldi capturou, também com o anzol circular, outra espécie marinha aparentemente nova: ela tem forma de moreia, mede 1,21 metro e pesa 3,5 quilos. Os pesquisadores ficaram impressionado com mais essa descoberta, principalmente porque foi feita na mesma área e profundidade em que foi encontrado o “cabeça de geleia”. Isso mostra que a biodiversidade da região precisa ser ainda mais investigada.
ANZÓIS CIRCULARES ( CIRCLE HOOK )– Desde 2001, quando começaram os testes com os anzóis circulares, o Projeto Tamar registrou cerca de dez novas espécies, bem como novas famílias e gêneros de peixes para o Brasil, além de outros animais marinhos que não tinham sido observados em nossas águas. “Essas descobertas estão ocorrendo há cerca de cinco anos graças aos anzóis circulares”, destaca Guy Marcovaldi, chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Tartarugas Marinha (Tamar), do Instituto Chico Mendes.
Ele conta que, na Praia do Forte, onde fica a sede nacional do Tamar, os anzóis circulares têm mostrado muita eficácia na captura de espécies de peixes em grandes profundidades. “Já foram capturados novos registros de família e gênero para o Brasil e Atlântico Sul, bem como espécies novas para o mundo, como esse novo peixe “cabeça de geleia”, afirma Marcovaldi.
Além das novas descobertas, o chefe do Tamar garante que a pesca com anzóis circulares não causa impacto ao meio ambiente marinho e é mais produtiva que a tradicional. “Evita a captura incidental de tartarugas marinhas, aumenta as chances de sobrevivência dos animais pós-captura e garante a manutenção ou o aumento da produtividade das pescarias”, diz Guy.
De fato, a técnica tem diminuído significativamente a captura incidental das tartarugas marinhas das espécies Caretta caretta e Dermochelys coriácea e tem mostrado também eficiência na captura de espécies-alvos, como os tubarões Prionace glauca e Carcharinus spp, assim como alguns atuns, das espécies Thunnus obesus e T. albacares.
RESISTÊNCIA – Apesar disso, os pescadores do litoral baiano, assim como os do resto do Brasil, ainda não estão convencidos da eficiência da pesca com anzóis circulares. “A cultura fala mais forte e eles (os pescadores) preferem usar os anzóis tradicionais e condenados, na forma da letra J. Eles não aceitam o desenho em forma de G, dos anzóis circulares, bastante diferente dos tradicionais. Vamos fazer um trabalho de educação ambiental para que o novo anzol se torne popular”, diz o chefe do Tamar.
Segundo ele, há duas versões sobre a origem dos anzóis circulares. Uma delas afirma que a invenção é dos norte-americanos, que criaram anzóis na forma da letra G como meio de abrandar a captura de tartarugas no Havaí. Outra atribui a autoria aos japoneses, que precisavam de um instrumento de pesca que não fisgasse o estômago ou esôfago do atum sem provocar hemorragia e, portanto, sem estragar a carne do pescado. O anzol circular fisga exclusivamente a boca.
O fato é que o Projeto Tamar tem provado, há cinco anos, que anzol circular serve para minimizar os efeitos da pesca sobre tartarugas e outros animais marinhos ameaçados de extinção. Marcovaldi disse que o lançamento dos lastros com vários anzóis circulares em grandes profundidades é proposital. Ele quer mostrar, com isso, que o anzol é eficiente não só para pesca, inclusive a comercial, mas também para as pesquisas científicas.
“O mar é um ilustre desconhecido, pouco comentado e, geralmente, é visto como local de lazer ou mina de petróleo. Explorá-lo é um desafio tecnológico. É como uma floresta amazônica, mas completamente inacessível e desconhecida. É muito fundo, frio e perigoso. Explorar o mar é como explorar a Amazônia, sobrevoando-a com anzóis e armadilhas, pegando pequenas amostras”, ilustrou.