Há quase 50 anos, o americano Joseph Tosi Jr. trabalhava na região de Jaíba, Norte de Minas, em um projeto do governo sobre ocupação do solo, quando um morador lhe mostrou um estranho peixe, pequeno, sem olhos. Ele guardou o exemplar e, de volta aos Estados Unidos, levou o espécime para pesquisadores, que o classificaram e o descreveram. Até pouco tempo atrás, a descrição feita pelos cientistas americanos com base neste holótipo (espécime único) era tudo que se sabia sobre o Stygichthys typhlops.
Em 2004, uma equipe de biólogos paulistas decidiram sair em busca de provas da existência desse peixe. O grupo, liderado pelo ictiologista Cristiano Moreira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi até a região e começou a indagar os moradores a respeito da estranha criatura. “A gente vai a campo e conta muito com as informações das pessoas locais”, relata Moreira.
O pesquisador é especialista na ordem de peixes characiformes, grupo da qual o Stygichthys typhlops faz parte e, segundo ele, é bem diverso e engloba mais de mil espécies apenas na região chamada de neotropical, que inclui a América Central e América do Sul. Outras espécies dessa ordem também são encontradas no Sul da América do Norte e em regiões da África.
Moreira conta que a equipe perguntou aos moradores da região se conheciam um peixinho branco e várias pessoas disseram já tê-lo visto. No entanto, ao buscar os poços onde possivelmente o peixe viveria, a maioria estava seco. O professor explica que o aquífero da região era raso e estava bem próximo da superfície, mas que, com a demanda por água para a agricultura, a partir dos anos 1980, muitos poços secaram e o nível do aquífero baixou.
Persistindo na procura do misterioso peixe, os biólogos acabaram por encontrar dois poços com água. “Quando descemos ao poço, de aproximadamente seis metros, vimos os peixes nadando, deixamos armadilhas e pegamos exemplares e com rede de aquário”, relata Moraira. Ele explica que o segundo poço tinha claramente contato com aquífero, pois continha uma grande fenda de onde jorrava água.
Os pesquisadores conseguiram capturar 34 indivíduos do Stygichthys typhlops. Moreira diz acreditar que é o único peixe que existe nesse hábitat e, devido às suas características, pode ser um sobrevivente de uma espécie cujos parentes que viviam na superfície foram extintos. “É uma espécie muito distinta morfologicamente, é realmente muito peculiar”, afirma.
Uma das curiosidades é o fato de o Stygichthys typhlops não ter olhos. “O grupo dos characiformes é muito orientado visualmente, são raros os casos em que encontramos essas características”, diz Moreira, explicando que apenas uma espécie que vive no México tem semelhança com a encontrada em Jaíba. O professor também explica que a estrutura óssea é bastante singular, assim como a morfologia externa.
A pesquisa, feita em conjunto com outros três professores, foi publicada no Journal of Fish Biology, do Reino Unido. “Esse primeiro trabalho é sobre a redescoberta do peixe, faz uma descrição da morfologia e dá os primeiros dados de comportamento, da biologia, de conservação, dos hábitos e hábitat”, conta Moreira, acrescentando que outros artigos sobre a curioso peixe serão publicados. “O próximo será dizendo como esse bicho se encaixa na evolução do grupo e terão mais trabalhos de ecologia e comportamento”, adianta. O professor diz que a espécie está ameaçada de extinção por causa do uso em excesso da água do aquífero onde ele vive.
Fonte: UAI