Mudanças climáticas fazem parte de um processo natural. Desde a sua criação, o planeta passa por etapas contínuas de esfriamento e aquecimento, associadas a seu afastamento ou aproximação do Sol. Discute-se muito na atualidade se as ações promovidas pelo Homem poderiam acelerar ou não o aquecimento global. Épocas mais frias ou mais quentes sempre acompanharam a história do Homem. E essas oscilações, em escala temporal ou espacial, fazem parte do equilíbrio natural do planeta, ainda que muitas não tenham sido relatadas pela história.
As correntes marinhas e os ventos são forças que promovem o balanceamento térmico do planeta. O acompanhamento das medidas de temperatura é uma das principais formas de avaliar o equilíbrio do planeta. Com o aquecimento das águas do mar, haverá uma nova acomodação do planeta em busca de um novo equilíbrio térmico, o que obviamente promoverá modificações nos padrões de distribuição de ventos e correntes, para melhor distribuir a energia necessária a essa regulação térmica.
A produtividade da pesca sempre esteve – e continuará – relacionada ao clima. Por quê? Em relação às populações de organismos terrestres, as populações marinhas são mais numerosas, apresentam maior fecundidade, em grande parte possuem elevada dispersão de ovos e larvas e, por conta disso, apresentam maior dependência das condições para efetuar essa dispersão, ou seja, por correntes oceânicas.
O cientista britânico David Cushing já abordava essa relação em interessante livro publicado em 1982. Posteriormente, em 1997, o mesmo autor abordou, em nova publicação, a produtividade na pesca regulada pela produtividade do oceano. Outras publicações mais recentes revisitam o tema, como é o caso de “Ecossistemas Marinhos e a Variação Climática”, de Stenseth e colaboradores, dentre outras. Mas talvez a mais brilhante abordagem tenha sido a polêmica levantada por Daniel Pauly (da Universidade de Columbia Britânica, no Canadá): “… se não nos cuidarmos, em breve estaremos comendo sopa de algas com águas-vivas”. Este alerta vem sendo motivo de reflexão e de recentes publicações, sobretudo nos últimos dois anos.
A pressão pesqueira tem reduzido a população dos grandes predadores e a pesca tem se voltado a espécies de menores dimensões. Por sua vez, estas espécies dependem mais diretamente de organismos planctônicos, que, por sua vez, estão mais associados com a distribuição dos nutrientes pelas massas d’água. Dessa forma, a abundância e a biomassa de diversas espécies de interesse pesqueiro variam de acordo com as condições ambientais, particularmente no que se refere à temperatura. E justamente essas interações garantem melhores ou piores épocas de pesca.
Porém, não é tarefa das mais fáceis tentar identificar quando são as condições ambientais ou a pressão pesqueira que afeta o tamanho da população. O que se considera em geral são efeitos aditivos. Alguns autores sugerem que a sensibilidade de populações sob forte pressão pesqueira seria maior frente a variações climáticas. Um dos casos que mais nos fascina é relativo ao Fenômeno ENOS (El Niño-Oscilação Sul). Embora tenha seu centro de atuação no Pacífico, com o aquecimento anômalo das águas fruto de ação de ventos em alta atmosfera, apresenta reflexos em todo hemisfério sul e até mesmo em boa parte do hemisfério norte.
Com base nisto tudo, boas capturas podem ser realizadas com relativo sucesso, desde que esses fenômenos possam ser adequadamente previstos, o que ainda é difícil. Cientistas brasileiros têm apontado que anos de ocorrência de La Niña – fenômeno antagônico ao El Niño e que junto à costa sul brasileira reduz a penetração de frentes frias de modo a ampliar a possibilidade de ressurgências de águas frias, mais comuns no verão, em meses de inverno – têm gerado maior produtividade primária e consequente melhores condições de sucesso no recrutamento de diversas espécies que se alimentam de plâncton e sucessivamente de toda a teia alimentar, gerando maior produtividade para a indústria pesqueira das regiões Sudeste e Sul do Brasil.
Situações assemelhadas ocorrem no hemisfério norte com a nominada Oscilação do Atlântico-Norte como também decorrentes de mudanças de escala deceniais ou mesmo seculares, estas últimas com base em registros em camadas estratigráficas sedimentares. Mesmo espécies utilizadas para a produção do bacalhau, intensamente estudadas, passaram por efeitos negativos do clima em seu recrutamento, que afetaram o tamanho de suas populações.
Diversos projetos de pesquisa de cunho mundial avaliam aspectos da circulação oceânica e interações oceano-atmosfera. Com isso, o aquecimento global poderá ampliar zonas oceânicas com menor taxa de oxigenação (por menor solubilidade), o que certamente reduziria o alimento disponível em toda a teia trófica marinha, desde o fitoplâncton até os grandes mamíferos. A modificação da distribuição de energia nos oceanos tende a ampliar a magnitude de fenômenos naturais. Isso afetará a distribuição dos organismos, podendo facilitar a extinção de algumas espécies menos tolerantes. Mudanças na distribuição de energia poderão inclusive trazer até a superfície águas quase anóxicas presentes em profundidade, provocando por muito tempo ações danosas à reproducibilidade dos recursos pesqueiros, de modo que a atividade pesqueira poderá ser drasticamente reduzida.
Mesmo no ambiente costeiro, como os estuários, águas cada vez mais quentes tendem a influenciar os padrões de migrações de espécies que tenham nesses ambientes ao menos uma fase de suas vidas, já que em águas mais quentes tem-se menos oxigênio dissolvido para as larvas. Considerando ainda que aquecimento global implicará aumento do nível do mar, haverá um enorme impacto com a perda de habitat para dezenas de espécies dependentes desses ambientes.
Outra situação, já bem visível em alguns lugares do mundo, e mesmo no Brasil, é o embranquecimento dos corais. Isso se deve ao aumento gradual da temperatura da água, que reduz a disponibilidade de alimento às comunidades coralíneas, que então perecem, deixando somente a estrutura calcária visível.
Alguns fenômenos anômalos costumam ser atribuídos ao aquecimento global e às consequentes mudanças climáticas. O tsunami de 2004 no Oceano Indíco, segundo algumas notícias propagaram à época, teria até mesmo mudado o ângulo magnético do planeta. A recente invasão de medusas gigantes no Japão, que pode tanto estar ligada a condições ambientais favoráveis ao aumento da abundância desse organismo, como também à redução de predadores pela ação da pesca excessiva.
A revista Science publicou estudo cujas estimativas apontam para o colapso da pesca enquanto atividade econômica até 2050. Aproveitando o tema, o fim da pesca não virá a ocorrer devido às mudanças climáticas como vem sendo alardeado. A pesca será afetada mais pela sede pelo lucro rápido. Mas certamente, em futuro nada distante, haverá grandes e importantes movimentos no tabuleiro dessa atividade face ao aquecimento global. A elevação da temperatura média da água do mar em apenas dois graus Celsius (o IPCC estima que pode ser de até 7 ºC) promoverá, em poucos anos, drásticas modificações nas populações dos principais recursos pesqueiros, afetando taxas reprodutivas, causando migrações e assim reduzindo a biomassa disponível para captura.
Não deve ser desprezada a influência do derretimento das geleiras, que poderá reduzir a salinidade, comprometendo ainda mais esse cenário. A tendência esperada é que o preço do pescado proveniente do mar seja cada vez mais alto, face à redução do volume capturado. Muitas empresas quebrarão. Mas deve-se salientar que o atual modelo de gestão da atividade, que não é o mais adequado, também contribuirá para eliminar o lucro da pesca. Este aviso não é de hoje. Pescamos mais do que o ambiente pode repor. Uma possível saída seria o incentivo à aquacultura.
Alguns podem ver as mudanças climáticas como cataclismas. Talvez não tenhamos percebido, mas o nosso planeta já passou por diversas mudanças climáticas e em parte delas o Homem já existia. Ainda assim, não existe concordância entre os cientistas. Para outros, o planeta atravessa nesta última década uma desaceleração no processo de aquecimento, enquanto a quantidade de energia queimada tende a elevar potencialmente a temperatura, afetando a área da camada de ozônio. Mesmo este tópico (camada de ozônio) é tema de diversas discussões, já que a ciência ainda não pode estimar ao certo o que teria acontecido com a camada de ozônio numa aproximação anterior do Sol com a Terra. O Comitê Científico de Pesquisas Antárticas aponta que, devido a essa mesma camada de ozônio, as temperaturas da Antártica somente aumentarão a partir do fim deste século, ainda que o degelo venha aumentando paulatinamente.
Apesar da enorme tecnologia construída pelo Homem, há muito ainda a descobrir, e a máxima de Sócrates permanece atual: “Tudo que sei é que nada sei”.
Acácio Ribeiro Gomes Tomás, argtomas@pesca.sp.gov.br, pesquisador do Instituto de Pesca, www.pesca.sp.gov.br, vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, dezembro 2009
As discussões sobre mudanças climáticas, no Blog da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, www.agriculturasp.blogspot.com, serão prolongadas excepcionalmente por mais uma semana, devido ao grande interesse despertado na sociedade pela COP 15 (Conferência de Mudanças Climáticas), que se realiza em Copenhague, Dinamarca.
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