A APA de Guaraqueçaba será apresentada como modelo na 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 15), na Dinamarca, em dezembro.
Há dez anos, a região da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaraqueçaba, no litoral norte paranaense, abriga um dos mais abrangentes e inovadores projetos de combate às mudanças climáticas no Brasil. No local, em 18,6 mil hectares, são desenvolvidas ações de proteção de ambientes preservados pressionados e/ou ameaçados pela degradação e restauração de áreas degradadas inseridas na maior porção de Floresta Atlântica ainda em bom estado de conservação. O projeto também estimula uma série de ações que procuram integrar as comunidades locais na criação de alternativas de geração de renda e educação ambiental.
O trabalho, que foi pioneiro, será apresentado como um dos modelos brasileiros de combate às mudanças climáticas, conservação da biodiversidade e desmatamento evitado (conservação de florestas em pé) durante a 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 15), em Copenhague, na Dinamarca, em dezembro de 2009.
Os projetos são fruto do resultado de parceria entre instituições não-governamentais e empresas. Foram concebidos pela organização não-governamental The Nature Conservancy (TNC) e são implementados pela SPVS – Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – com o apoio das empresas American Electric Power, General Motors e Chevron. Os projetos ocupam três áreas de reservas naturais: Morro da Mina (3.300 hectares) e Rio Cachoeira (8.600 ha), no município de Antonina, e Serra do Itaqui (6.700 ha),no município de Guaraqueçaba. “A iniciativa deste projeto é muito importante, pois ajuda a preservar uma relevante parcela da floresta brasileira”, diz o diretor executivo da SPVS, Clóvis Borges. Para Fernando Veiga, gerente de Serviços Ambientais da TNC, “este é um projeto pioneiro, com uma abordagem inovadora nas áreas de carbono e clima, e que teve um papel fundamental no avanço das questões de monitoramento de carbono em florestas tropicais e que agora podem servir de fontes de informação e inspiração para o desenvolvimento de novos projetos REDD no Brasil que levem em consideração a proteção e restauração das florestas no processo de mitigação das mudanças climáticas”.
Nessas áreas, a SPVS desenvolve atividades de administração das reservas, pesquisas científicas, educação ambiental, plantio de mudas em áreas degradadas e manutenção de seu crescimento e, nas porções das reservas que guardam ecossistemas mais preservados, fiscalização preventiva contra a caça e extração vegetal.
Além de ajudar a equilibrar o clima e contribuir para mitigar o aquecimento global, o trabalho desenvolvido pelas duas entidades também gera outros “serviços ambientais”. A água que abastece o município de Antonina, por exemplo, é captada na Reserva Morro da Mina; a água que abastece Ilha Rasa (em Guaraqueçaba) é da Reserva Serra do Itaqui.
Na Reserva do Rio Cachoeira, além de ações voltadas para educação ambiental de funcionários e das comunidades locais, também são desenvolvidos projetos de geração de renda com foco no artesanato. Um deles é o Grupo Nascentes da Serra, formado por mulheres moradoras de quatro bairros vizinhos que aprenderam a arte da costura a partir de treinamento proporcionado pela SPVS. Hoje, encontram-se semanalmente para bordar camisetas com desenhos de espécies de flora e fauna que são encontradas na região, como o tamanduá e orquídeas. A máquina de costura e todo material para a confecção das camisetas, desde o tecido às embalagens, são disponibilizados pela SPVS. O dinheiro da venda é revertido para o grupo.
Outras atividades desenvolvidas neste período geram resultados positivos como o manejo das reservas – que emprega moradores da região –, incentivo à produção orgânica e educação ambiental, monitoramento e desenvolvimento de infra-estrutura, produção artesanal, ecoturismo e cultivo de abelhas nativas, recepção de visitantes e assistência e treinamento a grupos de funcionários de empresas interessados em obter capacitação e conhecimento sobre mudanças climáticas, conservação da biodiversidade e projetos ambientais, entre outros.
Sequestro de carbono
Através do processo de fotossíntese, as árvores retiram o dióxido de carbono da atmosfera para fixá-lo na biomassa da floresta. O dióxido de carbono é um dos gases causadores do efeito estufa, fenômeno natural que, uma vez intensificado, vem causando aquele que é considerado por muitos como a maior ameaça ambiental do nosso tempo: o aquecimento global – responsável por mudanças climáticas e elevação dos níveis dos oceanos em todo o planeta.
Além de ajudar no combate ao aquecimento global, os projetos de sequestro de carbono trazem outros benefícios para o meio ambiente. O plantio de árvores é feito com espécies nativas, permitindo que ambientes degradados sejam restaurados, ao invés de somente reflorestados. Florestas secundárias são enriquecidas, visando à recuperação de populações de espécies que foram eliminadas por exploração seletiva e/ou perda de habitat.
Além disso, um componente essencial do projeto se ocupa de manter em bom estado de conservação as áreas preservadas nas reservas. Ao fazer isso, contribui-se que as áreas não sejam desmatadas e, consequentemente, evita-se que o carbono estocado em sua biomassa seja devolvido para a atmosfera – o que intensifica ainda mais as mudanças climáticas.
O desenvolvimento dos projetos e a manutenção das três reservas resulta no aumento da qualidade de ecossistemas e de áreas de refúgio para muitas espécies animais que vivem na região, algumas delas ameaçadas de extinção. Graças às câmaras-armadilhas (“trap-cam”), já foram observados em reservas da SPVS animais como onça-parda, veado, jaguatirica, queixada, além da anta – o mamífero de maior porte encontrado na América da Sul.. Também foi avistado o cachorro-vinagre.
Um dos maiores destaques que merecem referência no projeto é a estrutura de monitoramento da biomassa que foi montada para monitorar o incremento dos estoques de carbono derivados das ações do projeto. Uma rede de 464 parcelas de monitoramento foi montada seguindo os mais altos padrões estabelecidos mundialmente para tal. Os benefícios de carbono esperados pelo projeto são de aproximadamente 1,2 milhões de toneladas de CO2, considerando as ações de sequestro de carbono e desmatamento evitado.
Impacto Social
Com a instalação do projeto e o seu manejo – que está garantido até o ano de 2039, a SPVS se tornou uma das maiores geradoras de empregos formais do litoral paranaense, com 50 funcionários que realizam atividades voltadas à manutenção das reservas e aos cuidados para manter a qualidade de seus ecossistemas – em geral, são funcionários contratados em comunidades locais que, com o envolvimento com o trabalho, adquirem conhecimento e passam a desempenhar funções que exigem uma boa retaguarda de conhecimento científico.
A maioria dos funcionários contratados pela SPVS eram trabalhadores das antigas fazendas de búfalos. Nesta lista está Vandir da Veiga, que mora no litoral do Paraná há mais de 40 anos. Ele sempre trabalhou cuidando dos animais e desmatando a área para formar pastagem. “Quando a SPVS comprou as fazendas senti um pouco de medo, pois eu e minha família trabalhávamos com essa atividade. Foi o sustento dos meus pais e era o de minha família. Agora o temor passou e hoje além do conhecimento que adquiro diariamente tenho uma profissão – sou guarda-parque”, afirma o profissional.
A rotina do guarda-parque consiste em acompanhar pesquisadores em observação da biodiversidade local e trabalhar em conjunto com a Polícia Ambiental para evitar o desmatamento, caça e extração de palmito, que infelizmente ainda acontece na região. “Hoje conheço muitas plantas e sei para que servem. Aprendi muita coisa com os pesquisadores e sou muito feliz por preservar a natureza e mostrar a comunidade a importância dela”, diz.
Os empregos indiretos também estão em crescimento com o incentivo a novas alternativas de renda. O projeto de meliponicultura é um exemplo do manejo produtivo em áreas naturais.
A criação de abelhas dos associados da Acriapa (Associação de Criadores de Abelhas Nativas da APA de Guaraqueçaba) – cuja criação é resultado de estímulo da SPVS a fim de que grupos locais se articulassem – surgiu há três anos, entre funcionários das reservas da SPVS, a fim de estabelecer um projeto demonstrativo que pudesse ser replicado para comunidades da região. A instalação de colônias de abelhas é feita com a captura dos enxames novos por meio de iscas elaboradas com garrafas pet, lona plástica preta e extrato de própolis, um método que não prejudica os ninhos naturais que estão, em grande maioria, nas árvores, e que pode ser replicado para outras regiões.
As abelhas nativas desempenham um papel importante que é a polinização de grande parte das espécies florestais nativas e de inúmeros cultivos agrícolas, contribuindo assim para a perpetuidade da flora nativa. A idéia deu tão certo que em 2008 os 25 produtores integrantes do projeto bateram recorde de colheita de mel. O grupo colheu 130 kg de mel, 225% a mais do que no ano anterior.
A produção do mel pela abelha nativa é em menor quantidade do que as abelhas do gênero Apis, espécie exótica invasora de origem africana, mas o quilo de mel da espécie Jataí, por exemplo, chega a valer seis vezes mais. Enquanto um quilo do mel dela chega a custar R$100, o da Apis custa em torno de R$15.
ICMS Ecológico
Para os municípios do litoral norte paranaense, as reservas também são importante fonte de renda. No ano de 2008 o município de Antonina recebeu mais de R$960 mil referentes ao ICMS Ecológico gerados pelas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) criadas nas áreas dos projetos. Já Guaraqueçaba recebeu o valor de aproximadamente R$133 mil pelas RPPNs do projeto neste município. A soma das áreas de RPPNs dos projetos de carbono soma mais de 10 mil hectares..
Em 2009, as prefeituras de Guaraqueçaba e Antonina deverão receber cerca de R$ 2 milhões provenientes do ICMS Ecológico, o que representa aproximadamente 6% de todo o orçamento das duas cidades. A legislação do Paraná reserva 5% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para a distribuição entre os municípios que mantêm unidades de conservação ou áreas de mananciais em seus territórios.
Ecoturismo
Outro projeto apoiado pela SPVS e TNC que contribui para a economia do litoral paranaense é o ecoturismo, através da Cooperguará Ecotur – Cooperativa de Ecoturismo de Guaraqueçaba –, que nasceu em 2007. Com a criação da cooperativa, o turismo no litoral paranaense ganhou mais um reforço e os moradores da região se uniram para oferecer serviços de mais qualidade aos turistas. Ela é formada por proprietários de restaurantes, de pousadas, campings até os donos das ‘voadeiras’ (os barcos que rapidamente chegam às ilhas), além de proprietários das RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural) que são também guias das trilhas ecológicas.
Todos os participantes da cooperativa são moradores locais, que cresceram sabendo valorizar sua cultura e riquezas naturais e podem viver a experiência de um modelo de geração de renda aliado à conservação da natureza, como é o caso do ecoturismo de base local, em que a renda gerada com a atividade turística fica na própria comunidade de origem dos serviços prestados.
Para a comodidade do turista foram criados seis roteiros com um dia de duração, mais três roteiros com dois dias e outros três com três dias. Entre os atrativos destes roteiros estão visitas às reservas naturais da Floresta Atlântica, atividades de observação de animais como golfinhos e papagaios-de-cara-roxa, caminhadas em trilhas, e rafting nas corredeiras do Rio Cachoeira.
Além do turismo de contemplação e belezas naturais, podem ser apreciadas ainda manifestações culturais típicas da região, como o fandango. Há ainda a gastronomia à base de frutos do mar frescos (pescados, camarões, mexilhões e ostras nativas), pesca artesanal, artesanato regional, produtos agroflorestais como o mel de abelhas nativas e seus derivados, farinha de mandioca (e derivados como polvilho, beiju e tapioca), compotas, doces e geléias produzidas a partir de produtos orgânicos.
Floresta Atlântica e Guaraqueçaba
Ainda que protegida por lei, historicamente a APA de Guaraqueçaba sempre assistiu à degradação de suas áreas. Atividades econômicas incompatíveis com a conservação da natureza e falta de políticas públicas adequadas e de fiscalização são algumas das razões para que isto ocorra.
A área da APA de Guaraqueçaba acolhe pelo menos 10 espécies de aves ameaçadas de extinção, assim como uma espécie de primata, o mico-leão-de-cara-preta. Cerca de 130 espécies de mamíferos e 535 de aves habitam a região, inclusive espécies migratórias, como o gavião tesoura.
Os 313 mil hectares da APA de Guaraqueçaba consistem em Floresta Ombrófila Densa (Montana, Submontana e de Terras Baixas), estuários, baías, ilhas, mangues e planícies litorâneas. Outro componente da paisagem é uma cadeia de montanhas entre a costa e o planalto, a Serra do Mar.
Nas proximidades das reservas onde são desenvolvidos os três projetos, a maior parte das áreas sofreu intervenção humana, como exploração seletiva de madeira na base das encostas e desmatamento nas planícies para instalação de pastagens para criação de búfalos ou culturas agrícolas (banana, arroz, gengibre, mandioca, hortaliças, entre outras) – atividades econômicas geralmente controladas por grandes proprietários que não mantêm residência fixa na região. As comunidades do entorno, geralmente formadas por pequenos proprietários, vivem principalmente da pesca e cultivo de banana, gengibre e mandioca.
Fonte: The Nature Conservancy (TNC)
Foto: Rio Cachoeira e Serra do Mar – Cooperguará/SPVS